quarta-feira, 30 de maio de 2012

Nem menos, nem mais


Sou uma mulher. Nem mais, nem menos.
Vivo a minha vida como ela é
fio a fio
e fio a minha lã para vesti-la, não
para acabar a história de Homero ou o seu Sol
e vejo o que vejo
tal como é, na sua aparência.
e no entanto fixo o olhar uma
e outra vez na sua sombra
para sentir o pulso da perda,
e escrevo um amanhã
sobre as folhas de um ontem: não há voz
apenas o eco.
Gosto da ambiguidade necessária nas
palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já se foi
da ave sobre as colinas das palavras
sobre as açoteias das aldeias.
Sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Faz-me voar a flor de amendoeira,
no mês de Março, da minha varanda,
saudosa de um dizer distante:
Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das nascentes.
Choro sem razão aparente, e amo-te
a ti como és, sem obrigação
sem ser em vão.
e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti
e quando te abraça desce uma noite sobre ti
e eu não sou isto nem aquilo
não, não sou Sol nem Lua
sou uma mulher, nem mais, nem menos.

Sê tu o Qays da nostalgia
se assim queres. É que eu
eu gosto de ser amada como sou
não uma imagem
colorida no jornal, ou uma ideia
entoada no poema entre os cervos...
ouço o grito de Laila longínquo
a partir do quarto de dormir: – Não me deixes
prisioneira de uma rima nas minhas noites das tribus
não me deixes com eles como uma história...
sou uma mulher, nem mais, nem menos.

Eu sou quem sou, como
tu és quem és: moras em mim
e eu moro em ti sobre ti para ti
amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado
sou tua quando transbordo da noite
mas não sou uma terra
não sou uma viagem
sou uma mulher, nem mais, nem menos.

Cansa-me
o ciclo da Lua mulher
adoece a minha guitarra
corda
a corda
sou uma mulher,
nada menos
nada mais!

Mahmûd Darwîsh, O leito de uma estranha (1999)
Tradução: André Simões

لا أَقَلَّ، ولا أَكْثَرَ

أَنا اُمرأةٌ. لا أَقلَّ ولا أَكثرَ
أَعيشُ حَياتي كَما هِيَ
خَيْطاً فَخَيْطاً
وأَغْزِلُ صُوفي لِألبَسَهُ , لا
لِأُكْمِلَ قَصَّةَ ((هُوميرَ)) أَو شَمْسَهُ
وأَرى ما أَرى
كما هُوَ , في شَكْلِهِ
بَيْدَ أَنِّي أُحدِّقُ ما بِينِ حِينٍ
وآخَرَ في ظِلِّهِ
لِأحِسَّ بِنَبْضِ الخَسارةِ،
فاكتُبْ غداً
على وَرَقِ الأمْسِ: لا صَوْتَ
إلاّ الصَدىً.
أُحبُّ الغُموضَ الضَروريَّ في
كَلِمات الـمُسافِر لَيلاً إلى ما آختفى
مِنَ الطَير فَوقَ سُفُوحِ الكلام
وفَوقَ سُطُوحِ القُرى
أَنا امرأة ، لا أَقلَّ ولا أكثرَ

تُطَيِّرُني زَهْرَةُ اللوز،
في شهر آذار ، مِن شُرْفتي
حَنِيناً إلى ما يقول البعيدُ :
((اُلْمِسيني لِأُوردَ خيليَ ماء اليَنابيعِ))
أَبكي بلا سَبَبٍ واضِحٍ , وأُحبُّكَ
أَنت كما أَنت , لا سَنَداً
أَو سُدَى
ويَطَلْعُ من كَتْفيَّ نَهارٌ عَليكَ
ويَهْبُطُ، حِين أَضْمُّكَ، ليلٌ إليك
ولستُ بهذا ولا ذاك
لا لستُ شمساً و لا قمراً
أَنا امرأةٌ، لا أَقلَّ ولا أكثرَ

فكُنْ أَنتَ قَيْس الحَنِين،
إذا شئتَ . أَمَّا أَنا
فيُعجِبُني أَن أُحَبَّ كما أَنا
لا صُورَةً
مُلَوَّنَةً في الجَريدة , أو فِكْرةً
مُلَحّنةً في القصيدة بين الأَيائلِ...
أَسْمَعُ صَرْخةَ ليلى البعيدة
من غرفة النوم: لا تتركني
سَجِينةَ قافيةٍ في ليالي القبائلِ
لا تتركيني لهم خبراً...
أَنا اُمرأةٌ , لا أَقلَّ ولا أكثرَ

أَنا مَن أَنا , مثلما
أَنت مَنْ أَنت : تَسْكُنُ فيَّ
وأَسكُنُ فيك إليك ولَكْ
أُحبّ الوضوح الضُروريَّ في لُغْزِنا المشترك
أَنا لَكَ حين أَفيضُ عن الليل
لكنني لَسْتُ أَرضاً
ولا سَفَراً
أَنا اُمرأةٌ , لا أَقَلَّ ولا أكثرَ

وتُتعبُني
دَوْرَةُ القَمَر الأنْثَويّ
فتمرضُ جيتارتي
وَتَراً
وَتَراً
أنا اُمرأةٌ،
لا أَقلَّ
ولا أكثرَ!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Falta-nos um presente


Falta-nos um presente
...
não nos chegam os nossos anos para envelhecermos juntos
e irmos cansados ao cinema
e assistirmos ao ponto final da guerra entre Atenas e seus vizinhos
e vermos a cerimónia de paz entre Roma e Cartago
em breve.
E em breve as aves migrarão de um tempo para outro.
Será este caminho poeira
sob a aparência de sentido, ter-nos-á conduzido
a uma viagem efémera entre dois mitos:
será isso necessário, seremos nós necessários,
como um estranho que se vê a si mesmo nos espelhos da sua estranha?


Mahmûd Darwîsh
O leito de uma estranha (1999)
Tradução: André Simões

versão preliminar


كان يَنْقُصْنا حاضِرَ
...
لم يكن عُمْرُنا كافِياً لِنشيخِ معاً
ونسيـرَ إلى السينما مُتْعِبَين
ونَشْهَدَ خاتَمةَ الحَرْبِ بَين أَثينا وجاراتها
ونرى حَفْلةَ السَلَمِ ما بين روما وقرطاج
عمَّا قليل.
فعمَّا قليلٍ سَتَنْتَقَلَ الطَيْرُ من زَمَنٍ نَحو آخَرَ
هل كان هذا الطَريقُ هَباءً
على شَكْلِ مَعْنَى، وسارَ بِنا
سَفَراً عابِراً بَينَ أُسْطورتَين،
فلا بُدَّ مِنهِ ولا بُدَّ مِنا
غَريبًا يَرَى نَفَسَهُ في مَرايا غَريبَتِهِ؟